quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Raimunda, Raimunda

“Raimunda, Raimunda” é uma tetralogia, ou seja, é composta por quatro estórias. A primeira é “Raimunda Jovita na Roleta da Vida ou Quis o Destino: de Pucella a Ninon!”. A segunda é “O Trágico Destino de Duas Raimundas ou Os Amores de Lampião Antes de Maria Bonita e Só Agora Revelados”; a seguir, temos “Raimunda Pinto, Sim Senhor!” e por fim, “Ramanda e Rudá”. Embora possuam certo elo de continuidade, são estórias diferentes, podendo ser montadas separadamente.

Raimunda Pinto, Sim Senhor!

A estória começa em 1942 em um subúrbio de Fortaleza, no estado do Ceará. O mundo vivia o contexto da Segunda Guerra Mundial. Raimunda é uma mulher pobre, feia e leporina, ou seja, possui uma deformação no lábio e no céu da boca, o que a deixa com a voz fanhosa. Sentindo-se rejeitada, sem conseguir sequer um namorado, como as amigas, resolve seguir para o Rio de Janeiro, onde pretende submeter-se a uma cirurgia e curar-se do problema. Advertida pela mãe de que não têm dinheiro para pagar a cirurgia, Raimunda mantém-se firme em seu propósito.

“... Vou pro Rio de Janeiro de qualquer jeito e me matriculo na Anna Nery. Vou ser enfermeira e como enfermeira – não é? – me opero de graça. Ficar de lado é que eu não fico. Juro.”

Acompanhada das amigas Isaura e Lindalva, partem para o Rio de Janeiro pedindo carona a caminhoneiros. Isaura e Lindalva resolvem segui-la por medo de estar grávidas e ficar mal faladas na cidade, já que haviam se entregado aos encantos de marinheiros americanos que estavam de passagem pelo Ceará.

Ao chegar a Juazeiro da Bahia, Isaura e Lindalva resolvem ficar para tentar ganhar a vida na noite ou, como diz o autor, “deixam atrair pela Grande Zona”. Raimunda, firme às suas metas, segue para o Rio de Janeiro.

Raimunda encontra um encantador de serpentes que a seduz, prometendo transformá-la numa grande artista circense, fazendo-a ganhar muito dinheiro apresentando um número de dança com jiboias. Iriam assim de cidade em cidade com o circo até chegar ao Rio de Janeiro. Raimunda usa suas economias para comprar duas jiboias e inicia sua vida artística como a internacional Miss Urânia, no aplaudido número Eva no Paraíso. Pouco tempo depois, porém, o encantador de serpentes a abandona, levando suas jiboias. Desiludida, Raimunda é consolada pelo palhaço Goiabinha, com quem prossegue viagem até chegar à Praça da Bandeira, no Rio de Janeiro.

“- Goiabinha, você é um amor. Me beije e me enxugue as lágrimas com vosso lencinho de mil cores.”

Dirige-se então à Escola de Enfermagem Anna Nery, porém é rejeitada. Resolve apelar para o presidente e vai ao Palácio do Catete tentar uma audiência com Getúlio Vargas. Depois de muita insistência, finalmente é recebida. Getúlio, compadecido, concede-lhe matrícula na Anna Nery e ainda a cirurgia para corrigir-lhe o defeito físico.

Cirurgia realizada, perde a fanhosidade e fica bela. Como enfermeira, conhece um famoso costureiro chamado Oly, que a convida a mudar de profissão e se tornar modelo profissional, apresentando suas coleções pelo mundo. Nas mãos do costureiro, Raimunda vira Raymonde, uma encantadora princesa de magnatas.

Durante um de seus desfiles, Raimunda conhece um Play Boy que a convence a largar as passarelas por uma vida de luxo e riqueza. Posteriormente, descobre que ele não passa de um gingolô, já que é casado e que só a queria para entregá-la a um milionário. O milionário também promete casar-se com ela, porém, em troca de dinheiro, entrega-a a um senador americano.

Mesmo sabendo de toda a transação, casa-se com o senador e vai morar em Washington, Estados Unidos.

Raimunda vive entediada, apesar da vida de riqueza. Manda vir do Brasil as amigas Isaura e Lindalva. Estão agora casadas com marinheiros, que passam a maior parte do tempo no mar, mas lhes proporcionam certo conforto financeiro. Relembram a vida de aventuras e dificuldades e festejam sua nova condição, levantando um brinde “às quenguinhas da beira do São Francisco”.

Na cena seguinte, Raimunda e o senador sobrevoam os céus do Pacífico na véspera da rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial. Avista Hiroshima e decide não retornar aos Estados Unidos.

“... Sempre fui uma seduzida pelos mistérios do Oriente. E depois, este nome Hiroshima tem um quê de sol radiante! Sinto que vou amar um japonês. Fico por aqui.”

Sem saber o que estava por vir, salta do avião.

“Louca, a bomba, understand?”, grita o senador.

Nossa heroína é testemunha ocular da tragédia de Hiroshima. Ao pular do avião, houve um blecaute seguido de um grande estrondo. Quando foi clareando, viu no que cidade tinha se transformado. Sentiu que estava sozinha. Ouviu os acordes de Asa Branca e lembrou-se do seu Ceará.

“Seria um vexame se não houvesse um cearense para testemunhar esta desolação, esta névoa, este mundo sem gemidos, sem tempo de dores, sem pânico – mudo, cremado. Grandes filhos duma égua! É. Volto para o meu Ceará. Mando rachar o céu-da-boca para reencontrar a antiga forma. Fanha! Vou tomar conta de Adilza, Adirfa e Adelfa. O mundo em que entrei, com a cara e a coragem, dá-me engulhos. Porco, podre, poluído. Com Adilza, Adirfa e Adelfa não estarei só. E elas botarão ovos, azuis, dourados, para mim e para vocês também.

(Entra, em cambalhotas o palhaço Goiabinha.)

Raimunda: Goiabinha!

Palhaço: Miss Urânia!

Raimunda: Me beije e me enxugue as lágrimas com o vosso lenço de mil cores.

(Música: No Ceará não disso não.)

O Autor

Francisco Pereira da Silva nasceu na cidade de Campo Maior, estado do Piauí, em 11 de agosto de 1918. Ainda jovem, mudou-se para a capital Teresina, cursando o ginásio no Liceu Piauiense. Morou algum tempo em São Luís do Maranhão, transferindo-se no início da década de 1940 para o Rio de Janeiro, onde concluiu os estudos clássicos no renomado Colégio Pedro II. Estudou Direito e Biblioteconomia, tendo sido nomeado bibliotecário na Biblioteca Nacional em 1944.

Publicou contos em revistas e jornais do sul do país, mas foi no teatro que se consolidou como grande escritor.

“Escreveu 18 peças, entre as quais podemos destacar “Viagem” (1946); “Lázaro” (1948), que lhe valeu o prêmio de autor revelação daquele ano, concedido pelo Círculo Independente de Autores Teatrais; “Cristo Proclamado” (1958); Chapéu de Sebo” e “O Vaso Suspirado” (1963); “Chão de Penitentes” (1964); além de peças como “Uma Carga de Laranjas”, “Reino do Mar Sem Fim”, entre outras.

Em 1972, Chico Pereira, como era carinhosamente conhecido, escreveu a importante obra “Raimunda, Raimunda”, dedicada à atriz Fernanda Montenegro, sua grande amiga. Talvez este tenha sido seu trabalho que mais vezes foi levado ao palco.

Francisco Pereira da Silva morreu no dia 8 de abril de 1985, em seu apartamento no Leblon, cidade do Rio de Janeiro, aos 66 anos de idade.

A seu respeito, escreveu o diretor de teatro Tarciso Prado:

“Quem já estudou, criteriosamente, os trabalhos desse piauiense, há de pelo menos ter descoberto, além da exuberância tão própria do seu talento de escritor, uma linguagem intencional ou subjetiva que dá à sua criação indiscutível universalidade.”

E ainda:

“Difícil encontrar um autor de teatro tão exigente com sua arte, como o velho Chico. Era teimoso ao perseguir os meandros da perfeição, capaz de atingir o extremo cansaço, no aprimoramento de uma frase ou de uma emoção.”

“Antecipou-se à sua época, escrevendo um teatro moderno e altamente avançado, quando as produções de então eram todas conservadoras.”

Sobre sua morte, escreveu:

“No dia 8 de abril de 1985, Francisco Pereira da Silva, desolado em seu modesto apartamento na Avenida Ataulfo de Paiva, no Leblon, esquecido dos amigos e de sua gente “piauizeira”, encantou-se em um Serafim. Montou um cavalo de vento e percorreu a imensidão das caatingas do Piauí. Sentiu o perfume das juremeiras, das macambiras, das coroas-de-frade; e parou para rever os campos de chananas ‘que lembravam vôos de borboletas amarelas’. Foi seguido por bandos de anuns brancos e negros, corrupiões, galos-de-campina e canarinhos da terra que o acompanharam a São Saruê.”

Questões

01. (UESPI) Raimunda Pinto, sim senhor, de Francisco Pereira da Silva, se inscreve no universo temático que vamos encontrar em outras obras do autor: o êxodo rural, a dura realidade do sertanejo e a crítica de forte conotação social. No caso específico desta obra, é correto afirmar:

a) Raimunda, a personagem principal da peça, é maranhense e se destaca pela sua beleza.
b) Apesar da sua deslumbrante beleza, a personagem principal tem lábio leporino.
c) A estória se passa durante a 1ª. Grande Guerra Mundial e se desdobra até os Anos 20.
d) Apesar de ser desprovida de beleza, a personagem de Raimunda é rica, o que lhe permite viajar bastante.
e) O sonho de Raimunda é se tornar enfermeira. Daí ela se dirigir à cidade do Rio de Janeiro.

02. (UESPI) A peça Raimunda Pinto, sim senhor fala das peripécias da personagem que lhe dá título. Esta comédia compõe a tetralogia Raimunda, Raimunda, escrita por Francisco Pereira da Silva, para homenagear a atriz Fernanda Montenegro. Ainda sobre esta comédia é correto afirmar:

a) A obra inscreve a personagem Raimunda em várias situações. Numa delas, vamos encontrá-la a bordo do avião Enola Gay.
b) A peça tem apenas três cenários: as cidades de Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro.
c) A peça Raimunda Pinto, sim senhor tanto explora uma linguagem coloquial quanto um vocabulário erudito.
d) A vida da personagem Raimunda Pinto é permeada sempre de alegria e de momentos de júbilos.
e) Toda a existência de Raimunda Pinto é uma grande tragédia, o que faz a peça ser um quase melodrama.

03. (Meu Blog Acadêmico) Em Raimunda Pinto, sim senhor, ao dirigir-se ao Rio de Janeiro para curar-se do lábio leporino e tornar-se enfermeira, Raimunda o faz na companhia das amigas:

a) Goiabinha e Miss Urânia.
b) Adilza e Adelfa.
c) Isaura e Lindalva.
d) Lindalva e Adirfa.
e) Adilza, Adirfa e Adelfa

04. (Meu Blog Acadêmico) Sobre o desfecho da obra Raimunda Pinto, sim senhor, pode-se afirmar:

a) Raimunda morre ao pular do avião que atirou a bomba atômica contra Hiroshima.
b) Decepcionada com ‘o mundo no qual entrou’, de luxo e conforto financeiro, após testemunhar a tragédia de Hiroshima, Raimunda resolve retornar ao seu Ceará e passar os dias cuidando de suas galinhas.
c) Raimunda termina seus dias em Washington, casada com um senador americano, feliz por ter superado sua vida de pobreza e sofrimento.
d) Raimunda aposenta-se como enfermeira da Escola de Enfermagem Anna Nery.
e) A peça termina em show de Raimunda Pinto, famosa artista, conhecida pelo nome artístico de Miss Urânia.

05. (Meu Blog Acadêmico) Sobre o autor de Raimunda Pinto, sim senhor, Francisco Pereira da Silva, é correto afirmar:

a) É natural de Amarante, tendo como fonte de inspiração para muitos de seus trabalhos, o Rio Parnaíba.
b) Por ter ido muito jovem morar no Rio de Janeiro, retratou em suas obras unicamente os costumes e os tipos cariocas.
c) Apesar da consagrada tetralogia teatral Raimunda, Raimunda, Chico Pereira, como era carinhosamente conhecido, ficou mais conhecido como autor de crônicas e poesias.
d) Sua obra é marcada pelo culto da língua portuguesa em sua modalidade padrão.
e) Nascido em Campo Maior, morou também em Teresina, em São Luís do Maranhão e no Rio de Janeiro, onde morreu em 1985, esquecido dos amigos e de sua gente “piauizeira”, nas palavras do escritor Tarciso Prado.

06. (Meu Blog Acadêmico) Raimunda Pinto, sim senhor faz parte da tetralogia Raimunda, Raimunda, escrita por Francisco Pereira da Silva e dedicada a sua amiga, a atriz:

a) Lari Sales.
b) Aracy Balabanian.
c) Vera Leite.
d) Fernanda Montenegro.
e) Marília Pêra.


Gabarito:

01. E
02. A
03. C
04. B
05. E
06. D


Observação:

Todos os posts sobre a obra Raimunda Pinto, Sim Senhor! tiveram como fonte o livro Raimunda, Raimunda – Tetralogia Piauiense de Teatro, de Francisco Pereira da Silva, edição de 2008, cujos direitos são reservados ao Grupo Harém de Teatro.